#05 | Como encontrar significados reais
Na busca por significado você encontrará muitas coisas que fingem ser significativas. Teste a sua relevância.
A busca por significado é uma condição natural de ser um humano. Nós procuramos sentido nas coisas e situações como uma forma de compreender nosso lugar no mundo, de nos conectar profundamente com os outros e com nós mesmos, e de guiar nossas decisões e ações diárias.
Este desejo de encontrar propósito é o que nos move em direção ao crescimento e à realização pessoal. E não seria diferente com as marcas: nem para o seu idealizador, que busca dar sentido ao que faz, nem para o consumidor, que busca sentido no ato de se relacionar, de pertencer e de consumir.
Mas significado, em si, é complexo. Ele surge, é claro, quando há identificação, quando algo ressoa com nossos valores, necessidades ou aspirações. Normalmente é encontrado nos relacionamentos que cultivamos, nas experiências que escolhemos ou nos objetivos que nos empenhamos em alcançar. E, no contexto de marcas, o significado é gerado quando estas estabelecem uma conexão emocional verdadeira, embasada em valores e visão de mundo partilhados.
Tenho certeza de que você já sabe — leu, entendeu, praticou — essa parte, mas a introdução foi necessária para o que vem agora:
Essa nossa busca por significado, como pessoas e como marcas, é repleta de confusão. Vamos encontrar diversos pontos luminosos de significado que dizem “aqui, aqui” e que nos fazem parar, ficar e agir em nome deles, para mais tarde perceber que não passava de uma ilusão momentânea. Um engano. Uma rasidade¹.
Essa confusão pode ocorrer por vários motivos, mas vou tratar daquelas que percebo mais quando o assunto é a nossa atuação na construção de marcas:
— Influência das expectativas externas
Podemos adotar valores ou objetivos que nos são impostos pela sociedade, cultura, ou redes sociais, sem questionar se realmente fazem sentido para o que estamos construindo. Essas influências externas podem mascarar o valor de um caminho específico, levando você a perseguir algo que não alimenta verdadeiramente o crescimento ou a satisfação do seu cliente — e do público que ele realmente deseja alcançar.
Pergunta auspiciosa² para o seu cliente: porque você deseja ser reconhecido por esse valor? que tipo de satisfação isso te trará? (aqui buscamos uma resposta profunda)
— Oportunidade de ser percebido como relevante
O fascínio natural pelo novo também pode nos iludir (a síndrome do objeto brilhante vale a pesquisa) . Como tudo muda muito rápido, com frequência todos somos seduzidos por tendências passageiras e promessas de transformação fáceis ou instantâneas. O desejo de surfar esse novo ou fantasticamente transformador, e de ser percebido como inovador, faz muitos estrategistas juntarem caquinhos de significado pra justificar esse caminho nas marcas que constroem.
Pergunta auspiciosa para o seu cliente: desde quando você pensa, fala e age de acordo com esse valor? (se for muito recente, vale uma investigação maior pra avaliar se realmente é verdadeiro)
— Equívoco de intensidade emocional
Intensidade emocional pode ser confundida com profundidade de significado. As situações que nos engajam emocionalmente tendem a ser percebidas como mais significativas, afinal, provocam uma forte resposta emocional. Mas essa intensidade nem sempre é sustentável ou baseada em valores profundos. Certifique-se de que o seu cliente não está em crise (não é raro) porque uma emoção que se dissolve rápido pode deixar um vazio perigoso.
Pergunta auspiciosa para o seu cliente: em que momentos esse valor já se manifestou ou se manifesta na sua marca? (aqui estamos buscando encontrar níveis de intensidade parecidos, para validar o significado)
— Síndrome do “eu sou o público”
Vamos falar a verdade… pelo menos uma vez na sua vida de estrategista você trabalhou com uma marca para a qual você sentiu que era o público ideal. E, bem, isso pode ser lindo, mas também pode ser terrível. Quando isso acontece, a tendência é conduzir as repostas do seu cliente para que a marca fique ainda mais perfeita pra você. Quando estiver nessa situação, certifique-se de que não está sugerindo mais do que perguntando.
Dica auspiciosa: faça mais perguntas abertas e menos perguntas que os façam concordar com você.
A busca por significado para marcas não funciona sem uma investigação crítica sobre sua real relevância.
Pra evitar confusão — e a consequente desconexão da marca com seu público + o seu fracasso como estrategista nesta situação — precisamos perguntar insistentemente o "porquê" das escolhas, dos valores e dos objetivos da marca.
Precisamos reconhecer a origem de qualquer confusão, cultivar consciência crítica sobre o que realmente importa e travar conversas claras sobre isso com nossos clientes. É assim que encontramos significados verdadeiros e relevantes.
—
à essa altura da vida e da experiência profissional, eu me permito inventar palavras — pelo bem da mensagem que desejo passar. “Rasidade” se refere ao que é raso. Um novo sinônimo para “superficialidade”, só que mais significativo no meu ponto de vista. Use se se sentir corajoso o suficiente.
todos te dirão para não usar palavras incomuns, mas a língua portuguesa é rica demais pra adotarmos essa regra o tempo todo. E achei auspicioso usar a palavra auspicioso.
Bastidores
— notas do que está rolando por aqui
Estou lendo o livro Estratégia São Suas Palavras, do Mark Pollard, e não recomendo.
→ é cheio de metáforas (cheio mesmo, algo como duas por página) e várias delas não fazem o menor sentido em português;
→ é bastante repetitivo;
→ é bastante teórico (se a parte prática existe, ainda não cheguei nela);
→ é pensado para o universo coorporativo, uma realidade bem diferente da nossa, que trabalhamos de uma forma mais autônoma.
Mesmo assim, continuarei lendo e concluirei, porque tudo isso faz dele um livro desafiador e eu tenho tirado bons insights — aquela coisa que você precisa pensar pra alcançar, ok? Não frases e ideias prontas do livro.
A conclusão é: eu não recomendo, mas se você gosta de um desafio, vá em frente. Você vai precisar refletir bastante nele se quiser chegar no final sem a sensação de que foi raso.
Mas a news de hoje nasceu de um insight proporcionado por essa leitura.
~ nem tudo na vida é preto no branco. Nuances.
Uma chance
— um pensamento, ideia ou dica que salva
Victor Frankl pode ser uma boa companhia se você deseja aprender mais sobre significado. Ele relata suas experiências como sobrevivente do holocausto, e a implementação disso em sua prática psicológica pós guerra. É um livro difícil, mas poderoso (e curto).
Muito bom Éve. E o livro achei que facilitou alguns aspecto da minha vida. Rasisade, pensar em como incluir ela nas minhas narrativas. Obrigado pelo texto.